JORNAL O GLOBO | CIÊNCIA REVISTA AMANHÃ
Polêmica sobre extermínio dos saguis divide especialistas. Introduzidos
para venda ilegal nos estados do Sul e do Sudeste, eles proliferaram e
agora ameaçam acabar com espécies nativas de aves e mamíferos.
Irrequietos, com tufos de pelos brancos ou negros ao redor das pequenas
orelhas, eles chegaram devagarinho e, aos poucos, foram conquistando os
cariocas. Cobiçados nos anos 1970 e 80 no mercado ilegal de animais
silvestres, os saguis de tufos-brancos (Callithrix jacchus) e de
tufos-pretos (Callithrix penicillata), ambos popularmente conhecidos
como micos-estrela, são originários das regiões Nordeste e Centro-Oeste.
Eles se espalharam pelo Rio de Janeiro e por outros estados do Sudeste e
do Sul do país levados pelo homem. Décadas após sua introdução, a
população explodiu e ameaça a sobrevivência das espécies nativas. Agora,
especialistas defendem a erradicação dos bichos e causam polêmica.
— Como qualquer espécie invasora, os micos proliferam sem controle
natural e substituem populações nativas, no Rio e em numerosos lugares
ao longo da costa brasileira — diz a engenheira florestal Sílvia Ziller,
coordenadora do Programa de Espécies Exóticas Invasoras da ONG The
Nature Conservancy para a América do Sul.
Vorazes comedores de
ovos, os Callithrix põem em risco espécies ameaçadas de extinção, como o
formigueiro-do-litoral, ave típica das restingas fluminenses, que
integra a lista dos pássaros mais raros do planeta.
Mesmo com
todos os problemas identificados, nenhuma ação governamental foi
definida para conter o avanço da população de micos invasores.
—
O drama é mais do que claro quando se trata da biodiversidade ameaçada.
Porém, a solução é complexa. Não há estudos. As instituições que já
deveriam estar trabalhando não têm recursos. Não há pessoal capacitado
para atender à demanda— diz Leandro Jerusalinsky, coordenador do Centro
Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros, do Instituto
Chico Mendes.
O biólogo ressalta a importância da reflexão
sobre o tráfico de animais, já que os micos chegaram através das mãos
dos homens para serem vendidos como bichos de estimação.
— Numa
visão da conservação com base em fundamentação científica, nunca ouvi
opinião contrária à erradicação das espécies invasoras. Como isto seria
feito? — questiona.
A Lei de Crimes Ambientais abre espaço para
a possibilidade de extermínio do animal em seu artigo 37. Não é crime
eliminar espécies consideradas nocivas, desde que sejam classificadas
dessa forma por órgãos competentes. Mas, como não há pesquisas
suficientes sobre o impacto causado pelos micos, a polêmica pode durar
anos.
André Ilha, diretor de Biodiversidade e Áreas Protegidas
do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), observa que os saguis também
representam risco para os micos-leões-dourados (Leontopithecus rosalia) e
outros primatas. Por terem contato prolongado com o homem, eles podem
levar para a floresta doenças humanas. E também são uma potencial ameaça
à saúde humana por levarem para as cidades microrganismos silvestres.
Exemplos são o vírus da herpes, fatal para micos e macacos, e a
transmissão do vírus da raiva para seres humanos.
— Já
começamos a transferência do mico-leão-de-cara-dourada, invasor da Serra
da Tiririca, para seu habitat de origem, o Sul da Bahia. Demos
prioridade a este projeto, mas os micos-estrela estão na lista. Não
sabemos se isto irá envolver o sacrifício do animal — diz.
Além
disso, Ilha garante que as experiências de transferência e controle
populacional feitas com outras espécies ajudarão a encontrar soluções
para os micos-estrela e ainda na reintrodução dos micos-leões-dourados
nas matas do Rio de Janeiro.
— A questão dos invasores de fato é
muito urgente, pois só poderemos começar a reintroduzir os
micos-leões-dourados na Mata Atlântica do Rio quando o território
estiver livre para eles, isto é, sem os micos-estrela. O mico-leão é
mais pacato. O estrela é agressivo. Numa disputa natural, o mico-leão
perderia o espaço. Sem contar o risco de hibridização e perda de
diversidade genética — diz lha.
Atualmente, o Laboratório de
Ecologia de Mamíferos da Uerj castra quimicamente os saguis machos. O
processo é o mais rápido, mas não o mais eficiente, diz Helena Bergallo,
pesquisadora responsável pelo trabalho.
—Injetamos uma química
para que o macho não reproduza. Esse processo é mais barato, porque não
precisamos colocar o bicho em quarentena, prescindindo de uma estrutura
de cativeiro para o acompanhamento das cirurgias. Se deixarmos de
castrar um macho apenas, ele copula e todo o trabalho é perdido —
explica.