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segunda-feira, 17 de junho de 2013

A INVASÃO DOS MICOS

JORNAL O GLOBO | CIÊNCIA REVISTA AMANHÃ


Polêmica sobre extermínio dos saguis divide especialistas. Introduzidos para venda ilegal nos estados do Sul e do Sudeste, eles proliferaram e agora ameaçam acabar com espécies nativas de aves e mamíferos.

Irrequietos, com tufos de pelos brancos ou negros ao redor das pequenas orelhas, eles chegaram devagarinho e, aos poucos, foram conquistando os cariocas. Cobiçados nos anos 1970 e 80 no mercado ilegal de animais silvestres, os saguis de tufos-brancos (Callithrix jacchus) e de tufos-pretos (Callithrix penicillata), ambos popularmente conhecidos como micos-estrela, são originários das regiões Nordeste e Centro-Oeste. Eles se espalharam pelo Rio de Janeiro e por outros estados do Sudeste e do Sul do país levados pelo homem. Décadas após sua introdução, a população explodiu e ameaça a sobrevivência das espécies nativas. Agora, especialistas defendem a erradicação dos bichos e causam polêmica.

— Como qualquer espécie invasora, os micos proliferam sem controle natural e substituem populações nativas, no Rio e em numerosos lugares ao longo da costa brasileira — diz a engenheira florestal Sílvia Ziller, coordenadora do Programa de Espécies Exóticas Invasoras da ONG The Nature Conservancy para a América do Sul.

Vorazes comedores de ovos, os Callithrix põem em risco espécies ameaçadas de extinção, como o formigueiro-do-litoral, ave típica das restingas fluminenses, que integra a lista dos pássaros mais raros do planeta.

Mesmo com todos os problemas identificados, nenhuma ação governamental foi definida para conter o avanço da população de micos invasores.

— O drama é mais do que claro quando se trata da biodiversidade ameaçada. Porém, a solução é complexa. Não há estudos. As instituições que já deveriam estar trabalhando não têm recursos. Não há pessoal capacitado para atender à demanda— diz Leandro Jerusalinsky, coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros, do Instituto Chico Mendes.

O biólogo ressalta a importância da reflexão sobre o tráfico de animais, já que os micos chegaram através das mãos dos homens para serem vendidos como bichos de estimação.

— Numa visão da conservação com base em fundamentação científica, nunca ouvi opinião contrária à erradicação das espécies invasoras. Como isto seria feito? — questiona.

A Lei de Crimes Ambientais abre espaço para a possibilidade de extermínio do animal em seu artigo 37. Não é crime eliminar espécies consideradas nocivas, desde que sejam classificadas dessa forma por órgãos competentes. Mas, como não há pesquisas suficientes sobre o impacto causado pelos micos, a polêmica pode durar anos.

André Ilha, diretor de Biodiversidade e Áreas Protegidas do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), observa que os saguis também representam risco para os micos-leões-dourados (Leontopithecus rosalia) e outros primatas. Por terem contato prolongado com o homem, eles podem levar para a floresta doenças humanas. E também são uma potencial ameaça à saúde humana por levarem para as cidades microrganismos silvestres. Exemplos são o vírus da herpes, fatal para micos e macacos, e a transmissão do vírus da raiva para seres humanos.

— Já começamos a transferência do mico-leão-de-cara-dourada, invasor da Serra da Tiririca, para seu habitat de origem, o Sul da Bahia. Demos prioridade a este projeto, mas os micos-estrela estão na lista. Não sabemos se isto irá envolver o sacrifício do animal — diz.

Além disso, Ilha garante que as experiências de transferência e controle populacional feitas com outras espécies ajudarão a encontrar soluções para os micos-estrela e ainda na reintrodução dos micos-leões-dourados nas matas do Rio de Janeiro.

— A questão dos invasores de fato é muito urgente, pois só poderemos começar a reintroduzir os micos-leões-dourados na Mata Atlântica do Rio quando o território estiver livre para eles, isto é, sem os micos-estrela. O mico-leão é mais pacato. O estrela é agressivo. Numa disputa natural, o mico-leão perderia o espaço. Sem contar o risco de hibridização e perda de diversidade genética — diz lha.

Atualmente, o Laboratório de Ecologia de Mamíferos da Uerj castra quimicamente os saguis machos. O processo é o mais rápido, mas não o mais eficiente, diz Helena Bergallo, pesquisadora responsável pelo trabalho.

—Injetamos uma química para que o macho não reproduza. Esse processo é mais barato, porque não precisamos colocar o bicho em quarentena, prescindindo de uma estrutura de cativeiro para o acompanhamento das cirurgias. Se deixarmos de castrar um macho apenas, ele copula e todo o trabalho é perdido — explica.